terça-feira, 18 de maio de 2010

PARADISO , XXXI , 1O8

Diodoro Sículo narra a história de um deus dilacerado e disperso. Quem, ao andar pelo crepúsculo ou ao descrever uma época de seu passado, não sentiu em algum momento que uma coisa infinita se perdera?
Os homens perderam um rosto, um rosto irrecuperável, e todos queriam ser aquele peregrino (sonhado no empíreo, sob a Rosa) que em Roma vê o sudário de Verônica e murmura com fé: Jesus Cristo, meu Deus, Deus verdadeiro, era assim, então, o teu rosto?
Um rosto de pedra há em um caminho e uma inscrição que diz "O verdadeiro Retrato do Santo Rosto do Deus de Jaén"; se realmente soubéssemos como foi, seria nossa a chave das parábolas e saberíamos se o filho do carpinteiro foi também o Filho de Deus.
Paulo o viu como uma luz que o prostrou; João, como o sol quando resplandece em sua força; Teresa de Jesus, muitas vezes, banhado em luz tranqüila, e nunca pôde definir a cor de seus olhos.
Perdemos esses traços, como pode perder-se um número mágico, feito de cifras habituais; como se perde para sempre uma imagem no caleidoscópio. Podemos vê-los e ignorá-los. O perfil de um judeu no subterrâneo talvez seja o de Cristo; as mãos que nos dão umas moedas em um postigo talvez repitam as
que alguns soldados, certo dia, cravaram na cruz.
Talvez um traço do rosto crucificado espreite em cada espelho; talvez o rosto tenha morrido, se apagado, para que Deus seja todos.
Quem sabe não o veremos esta noite nos labirintos do sonho, sem saber disso amanhã.


Jorge Luis Borges, em "O Fazedor"

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Desenhor por: Lene

E ser árvore é assim

"Um passarinho pediu a meu irmão para ser sua árvore. Meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho."
"Meu irmão agradecia a Deus aquela permanência em árvore porque fez amizade com muitas borboletas."

Manoel de Barros 

segunda-feira, 3 de maio de 2010


Na foto: Toninho Horta e os filhotes
Em homenagem ao que tenho escutado esses dias.

domingo, 2 de maio de 2010

A Hora Última

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Do glossário: As árvores

Relativas à palavra “chuva”
e à palavra “sombra”.
Também a frutos e raízes.

Contêm pássaros.
Neles, elas cantam.

De sua fala própria
se diz que farfalham.

Aglomeram-se em parques,
jardins e bosques
e florestas (q. v.).

Atendem
(não atendem)
por nomes diversos.

Às vezes solitárias,
mostram mistério maior.

Comunicam-se entre si
por meios invisíveis aos homens.

São todas uma só.

Jorge Wanderley

O Andarilho

Eu vim pra ser melhor

Luiz Gonzaga

terça-feira, 27 de abril de 2010

Salvador Dalí
Porque pensar é não compreender...

Alberto Caeiro

domingo, 25 de abril de 2010

Como se te perdesse, assim te quero.
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro

Um arco-íris de ar em águas profundas.

Como se tudo o mais me permitisses,
A mim me fotografo nuns portões de ferro
Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
No dissoluto de toda despedida.

Como se te perdesse nos trens, nas estações
Ou contornando um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios
Inundada.

Hilda Hilst

Vânia Medeiros
– Isso é verdade – comentou Narizinho. Não há o que a paciência não consiga. Lá na cachoeira há um buraco na pedra feito por um célebre pingo dágua que cai, cai, cai há séculos.

Monteiro Lobato

Cânticos (II)

Não sejas o de hoje.
Não suspires por ontens ...
Não queiras ser o de amanhã.
Faz-te sem limites no tempo.
Vê a tua vida em todas as origens.
Em todas as existências.
Em todas as mortes.
E sabe que serás assim para sempre.
Não queiras marcar a tua passagem.
Ela prossegue:
É a passagem que se continua.
É a tua eternidade ...
É a eternidade.
És tu.

Cecília Meireles